África-Brasil
Por Franco de Rosa
Estava em Florianópolis e precisava voltar para São Paulo depressa.
Arrisquei. Fui ao aeroporto, sem reservas. Por sorte, havia um passageiro desistente
de última hora, assim peguei o único acento disponível. E sentei no corredor.
Em uma fila apertada. Na janela estava um loirinha bonita, de cabelos
encaracolados, que enviou a cara no vitrô e ali ficou. No meio, um negro enorme,
vestido elegantemente um terço azul. Terno. Paletó, calça e colete.
Quando o avião começou a andar pela pista, se preparando
para levantar voo, o camarada do meu lado começou a se agitar bastante.
Colocava as mão nos ouvidos. Tirava. Se mexia. Girava os olhos. Demonstrava pânico
mesmo. A moça enfiou ainda mais a cara na janela. E eu comecei a temer que ele viesse
a ter um treco. Mas, assim que a nave se estabilizou e entrou em velocidade de
cruzeiro. Ele se acalmou. Felizmente o voo é curto. Perto de 35 minutos.
Então vieram as comissárias de bordo trazendo sucos, agua e
lanches. Quando entregaram o dele, ele imediatamente pediu outro, antes mesmo
de abrir o seu pacotinho, que só continha um sanduba sem graça mesmo. Eu lhe
ofereci o meu. Disse que não iria comer, pois tinha almoçado bem. E era
verdade. Havia comido num bar, na vila onde estava hospedado, na Praia da Barra
da Lagoa, um farto e delicioso “prato feito” com peixe do mar.
O sujeito devorou os dois pães com presunto e queijo.
Agradeceu. Dizendo que acordara muito cedo e não teve tempo de tomar o pequeno
almoço. Se desculpando ainda por ter ficado intranquilo durante a subida do
avião. Devido aos seu sotaque e expressões usadas, em português castiço,
percebi que ele era um cidadão angolano.
Conversamos o resto da viagem. Ele revelou ter sido paraquedista
e que lutou na guerra. Participando de 27 missões em território Russo. Quando
disse isso interrompeu a narrativa por um instante e me olhou fixamente. Depois
continuou, explicando que fez o que se faz nas guerras. Coisas que muitas vezes
o fazem acordar no meio da noite. Compreendi, e nada comentei. Seu súbito
silêncio revelava que ele havia matado muita gente. Disse, que quando o avião levanta
voo, sempre fica incomodado, mas ele precisa viajar pelo menos três vezes ao
ano para o Brasil, onde vem comprar implementos agrícolas e equipamentos. Pois
agora é um pequeno empresário da agricultura.
Falei então que falei a meu respeito. Que estava em
Florianópolis a passeio, mas também trabalhando. Acompanhando a produção de um
projeto que vinha sendo desenvolvido fazia 18 anos, a revista livro As Periquitas,
com trabalho de 23 autoras. Que eu era autor de histórias em quadrinhos, mas
trabalhava mais como jornalista e editor nos últimos tempos.
Então ele arregalou os olhos, e segurando meu braço esquerdo
disse que, antes, até o final década de 1990 ele trabalhava no Jornal de
Angola, como autor de banda desenhada. Ou seja, histórias em quadrinhos. Desenhando
uma tira diária. O nome dele era Antonio Piçarra. Não consegui entender o nome
da tira. Mas encontrei pela internet, Mankiko.
Então se anunciou que já estávamos sobre Cumbica. Que iriamos
pousar. Desta vez, meu, agora “colega”, não se incomodou com a descida. Foi uma
aterrisagem suave, daquelas que os passageiros aplaudem, quando o avião para,
no solo. E Sergio apressadamente desceu, pois estava com um grupo de angolanos.
Enquanto eu, tranquilamente me dirigi ao ônibus, que leva os passageiros ao
saguão de desembarque do aeroporto.
Recordo agora, escrevendo estas linhas, que foi a partir daquele
dia que comecei a prestar mais atenção nas coincidências que, desde sempre,
aconteceram em minha vida.
Esta foi das grandes. Como foi acontecer isso? É uma questão
de total sincronicidade. Só crendo em magnetismo, Lei da Atração e coisas
afins, para justificar. Como pode? Entrar em um avião, onde só há um único acento
disponível e me sentar ao lado de um cartunista? E...quantos cartunistas
existem em Angola? Pela internet só consegui localizar uns 10. No Brasil somos
em mais de 1000. Não é coincidência. Não pode ser. É Sincronicidade. Um
conceito desenvolvido pelo notório psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl
Gustav Jung, para “definir acontecimentos que se relacionam não por relação
causal e sim por relação de significado.” Em sua teoria julga tais eventos
sincronísticos como algo que não acontece por acaso. Mas por terem um significado
igual ou semelhante, que chamou de "coincidência significativa".”
Muito legal sua experiência com o desenhador de banda desenhada angolano e... Ah, não existem coincidências!
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