domingo, 28 de maio de 2017




África-Brasil

Por Franco de Rosa

Estava em Florianópolis e precisava voltar para São Paulo depressa. Arrisquei. Fui ao aeroporto, sem reservas. Por sorte, havia um passageiro desistente de última hora, assim peguei o único acento disponível. E sentei no corredor. Em uma fila apertada. Na janela estava um loirinha bonita, de cabelos encaracolados, que enviou a cara no vitrô e ali ficou. No meio, um negro enorme, vestido elegantemente um terço azul. Terno. Paletó, calça e colete.
Quando o avião começou a andar pela pista, se preparando para levantar voo, o camarada do meu lado começou a se agitar bastante. Colocava as mão nos ouvidos. Tirava. Se mexia. Girava os olhos. Demonstrava pânico mesmo. A moça enfiou ainda mais a cara na janela. E eu comecei a temer que ele viesse a ter um treco. Mas, assim que a nave se estabilizou e entrou em velocidade de cruzeiro. Ele se acalmou. Felizmente o voo é curto. Perto de 35 minutos.
Então vieram as comissárias de bordo trazendo sucos, agua e lanches. Quando entregaram o dele, ele imediatamente pediu outro, antes mesmo de abrir o seu pacotinho, que só continha um sanduba sem graça mesmo. Eu lhe ofereci o meu. Disse que não iria comer, pois tinha almoçado bem. E era verdade. Havia comido num bar, na vila onde estava hospedado, na Praia da Barra da Lagoa, um farto e delicioso “prato feito” com peixe do mar.
O sujeito devorou os dois pães com presunto e queijo. Agradeceu. Dizendo que acordara muito cedo e não teve tempo de tomar o pequeno almoço. Se desculpando ainda por ter ficado intranquilo durante a subida do avião. Devido aos seu sotaque e expressões usadas, em português castiço, percebi que ele era um cidadão angolano.
Conversamos o resto da viagem. Ele revelou ter sido paraquedista e que lutou na guerra. Participando de 27 missões em território Russo. Quando disse isso interrompeu a narrativa por um instante e me olhou fixamente. Depois continuou, explicando que fez o que se faz nas guerras. Coisas que muitas vezes o fazem acordar no meio da noite. Compreendi, e nada comentei. Seu súbito silêncio revelava que ele havia matado muita gente. Disse, que quando o avião levanta voo, sempre fica incomodado, mas ele precisa viajar pelo menos três vezes ao ano para o Brasil, onde vem comprar implementos agrícolas e equipamentos. Pois agora é um pequeno empresário da agricultura.
Falei então que falei a meu respeito. Que estava em Florianópolis a passeio, mas também trabalhando. Acompanhando a produção de um projeto que vinha sendo desenvolvido fazia 18 anos, a revista livro As Periquitas, com trabalho de 23 autoras. Que eu era autor de histórias em quadrinhos, mas trabalhava mais como jornalista e editor nos últimos tempos.
Então ele arregalou os olhos, e segurando meu braço esquerdo disse que, antes, até o final década de 1990 ele trabalhava no Jornal de Angola, como autor de banda desenhada. Ou seja, histórias em quadrinhos. Desenhando uma tira diária. O nome dele era Antonio Piçarra. Não consegui entender o nome da tira. Mas encontrei pela internet, Mankiko.
Então se anunciou que já estávamos sobre Cumbica. Que iriamos pousar. Desta vez, meu, agora “colega”, não se incomodou com a descida. Foi uma aterrisagem suave, daquelas que os passageiros aplaudem, quando o avião para, no solo. E Sergio apressadamente desceu, pois estava com um grupo de angolanos. Enquanto eu, tranquilamente me dirigi ao ônibus, que leva os passageiros ao saguão de desembarque do aeroporto.
Recordo agora, escrevendo estas linhas, que foi a partir daquele dia que comecei a prestar mais atenção nas coincidências que, desde sempre, aconteceram em minha vida.

Esta foi das grandes. Como foi acontecer isso? É uma questão de total sincronicidade. Só crendo em magnetismo, Lei da Atração e coisas afins, para justificar. Como pode? Entrar em um avião, onde só há um único acento disponível e me sentar ao lado de um cartunista? E...quantos cartunistas existem em Angola? Pela internet só consegui localizar uns 10. No Brasil somos em mais de 1000. Não é coincidência. Não pode ser. É Sincronicidade. Um conceito desenvolvido pelo notório psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, para “definir acontecimentos que se relacionam não por relação causal e sim por relação de significado.” Em sua teoria julga tais eventos sincronísticos como algo que não acontece por acaso. Mas por terem um significado igual ou semelhante, que chamou de "coincidência significativa".”





Capitão Caatinga – o anti-herói do nordeste em SP
por Ataíde Braz (*)
Quem se lembra do Capitão Caatinga, personagem criado pelo Franco de Rosa e Seabra?
É certo que poucos se lembram, e muitos nem ouviram falar. No entanto é um marco da História dos Quadrinhos brasileiros. Foi publicado de 1974 a 1978 no jornal Noticias Populares. Talvez esta seja a causa do injusto esquecimento (ou desconhecimento), o enraizado preconceito contra aquilo que é popular, independente de seus méritos.
Na época em que foram publicadas as suas aventuras, as poucas tiras nacionais (e as muitas importadas) eram todas de humor. O Capitão Caatinga ousou ser diferente. Um herói sem poderes, sem colante e cueca por cima da calça.
Era um anti-herói quando eram abundantes os “mocinhos” acima do bem e do mal, sempre a salvar suas eternas noivas. O capitão era diferente. Enrolava-se com mulheres casadas e fugia de cornos. Não fugia por medo. Não. Fugia por que julgava justa a raiva do corno. Assim era o Capitão Caatinga, imoral, porém ético. Até certo ponto. Sua ética não resistia a um rabo de saia. Bom, quando a mulher era feia, a ética do capitão era férrea e incorruptível. Nestes casos mulher casada tinha que ser respeitada.
Ele não percorria o nordeste salvando oprimidos. Ele simplesmente ia vivendo e fugindo da policia. Lutando a sua guerra pessoal para sobreviver. De preferência ele fugia de conflitos, de brigas que não lhe dizia respeito, mas, se fosse pego em um fogo cruzado (e isso sempre acontecia), ele tomava partido do justo. E não fugia da raia!
Mas a maior vitória deste herói foi vencer o cerco dos importados e ter mais de 1000 tiras publicadas, com uma temática genuinamente nacional. É claro que havia muitos pontos fracos. Os autores tinham poucas informações sobre o nordeste, mesmo assim enveredaram pelo tema e criaram um ícone que, infelizmente, é pouco lembrado.
Capitão Caatinga é um marco por que ousou ser homem quando o preconizado era ser um semideus com super-poderes e uma mentalidade tacanha. Um homem, com seus defeitos e virtudes. Mas defeitos do que virtudes.
Uma HQ com diversas falhas, principalmente por causa da pouca experiência de seus autores na época. Mas ambos com uma intuição talentosa! Apesar das falhas, a trajetória vitoriosa do Capitão foi graças à união do velho com o novo. O Franco e o Seabra ousaram criar um personagens que fugia do padrão da época, mas dosaram essas novidades com alicerces conservadores, usando na narrativa os típicos “dogmas” das histórias de aventuras.
Esse é o ponto que admiro na HQ do Capitão e em minha opinião faz dele um marco da HQB. Se na época as HQ de terror tivessem utilizado essa formula ao tentar se modernizar, talvez tivessem evitado a decadência do tema. Fico na torcida para que o Capitão Caatinga seja revisto e atualizado por seus autores, para desbravar novamente os quartos das mulheres casadas e enfrentar volantes e cangaceiros...
(*) Ataide Bras é roteirista que, nascido em Pernambucano, migrou para são Paulo com a família aos 11 anos, em 1966. É autor da graphic novel “A Mulher Diabo no Rastro de Lampião”, que ganhou o prêmio 7º HQ Mix em 1995. O público de retirantes nordestinos migrantes e hoje radicados em São Paulo é um dos públicos-alvos fundamentais da presente proposta.

sexta-feira, 26 de maio de 2017



Sequência criada para o livro Biblioteca dos Quadrinhos, de Gonçalo Junior. Desenhos meus. Cores de Wanderley Felipe.


JUN2

Palestra com Franco de Rosa na Gibiteca

Público
 · Organizado por Gibiteca de Curitiba

quarta-feira, 24 de maio de 2017



Quando fiz esta foto de meus filhos Carolina e Daniel, em meados dos anos 80 sabia que estava registrando uma imagem diferente. Não imaginava que ficaria tão forte e emblemática. Ainda vejo nas estantes de alguns parentes, quando os visito. Curioso é que quando sonho com eles, na amaioria das vezes eles aparecem com esta idade.

A fugitiva

Tomei um taxi na Avenida Ipiranga, pedindo para ir até a Rua da Consolação. Era fim do dia. Já estava escurecendo. Depois que passamos do Cemitério, o motorista, sorrindo me disse, “Ainda bem que o senhor está aqui do meu lado.” Então lhe disse que não entendera.  Ele então contou que, faz uns três anos apanhou uma mulher também na Ipiranga que também pediu para ir até a Consolação.
Era domingo. Não havia movimento algum, estava garoando e anoitecendo.

Ela sentou no banco de trás, e não ao lado dele, como eu fiz. E, quando ele chegou no Cemitério, parou no semáforo de pedestres que tem em frente ao portão, porque o sinal fechara. Depois, seguindo adiante, se virou para perguntar à mulher onde ela iria ficar. Mas, para sua surpresa, a dama não estava. Imediatamente parou, para ver se ela tinha caído entre os banco...nada.
Ficou irritado, acreditando que ela fugira sem pagar a corrida. Porém também ficou matutando. Como ela teria descido do carro sem fazer barulho? Será que ela tinha mesmo subido no carro? Pois estava cansado. Trabalhava desde a madrugada, estava com sono. Preferiu acreditar que tudo não passou de imaginação.

Mas toda vez que passa em frente ao Cemitério da Consolação se lembra do ocorrido, que prefere acreditar que não aconteceu.

Mas...eu fora até a Consolação, para chegar na Livraria Comix Book Shop, que fica na sua travessa, a Alameda Jaú. Fui em busca de obras em quadrinhos, claro. E, xeretando as prateleiras, não pude deixar de adquirir, o singelo álbum de Gustavo Duarte, Taxi. (FR)

segunda-feira, 15 de maio de 2017



MESTRE DOS MESTRES -  J o n    W h i t c o m b

Mestre Shima revelou dezenas de nomes de artistas que influenciaram sua arte de desenhar. Um deles foi o americano Jon Whitcomb (1906-1988), com suas belas jovens e glamourosas mulheres estampando as capas das principais revistas dos EUA como Collier's Weekly e Good Housekeeping, nos anos 1930. Ele foi um pioneiro ao substituir a tinta óleo, de secagem lenta, pelo guache estabelecendo também um estilo que reduziu o fundo a elementos de design simples. Seu novo estilo de ilustrações logo apareceu em e outras revistas. Ao servir durante a Segunda Guerra Mundial, Whitcomb o fêz como artista de combate, desenhando em campo. Depois do conflito, ele criou uma seção fixa, ilustrada, sobre astros e estrelas de Hollywood para a revista Cosmopolitan e ilustras para a Playboy . Escreveu um livro sobre glamour, All About Girls. E foi um dos fundadores da famosa Escola de Artistas Famosos. Inspiradora da Escola Panamericana de Artes, argentina e brasileira.






quinta-feira, 11 de maio de 2017

Cris, Mindlin, Cagnin e o Rosa

"O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."

Grande Sertão Veredas

Em meditativo post, no Face Book, a poetisa Cris Days, minha amiga, fez-me lembrar uma historinha que vivi.

Aconteceu quando fui visitar o “Seu José”, como preferia ser tratado o Dr. José Mindlin, que foi repórter, advogado, empresário, escritor e o maior bibliófilo de nosso país, a quem fui conhecer levado pelo insuperável professor de comunicação e mestre em semiótica Antonio Cagnin, para fotografarmos a primeira revista infantil do Brasil, O Tico-Tico número 1, de 1905. Na famosa biblioteca climatizada e subterrânea do respeitado colecionador de livros e mapas cartográficos históricos, para o mais grandioso livro da Opera Grahica Editora.

Pois... Era o ano de 2015. Seu José estava particularmente muito feliz naquela manhã. Acabava de adquirir os “manuscritos” originais de Grande Sertão de Guimarães Rosa.

E, não mais que de repente, o mestre dos livros passou-me a pasta de cartolina, que protegia um pequeno calhamaço de folhas bastante amareladas, para eu folhear. Toda datilografada. Marcada fortemente pelos tipos mecânicos da máquina de escrever. E, o novo dono daquelas histórica folhas, apontava alegremente as correções feitas à mão, pelo notório Rosa, mudando o nome de um personagem para Manelão. Dos mais famoso de seus protagonistas e dos mais importantes de nossa literatura.

Mestre Mindlin sentou em sua confortável poltrona de leitura, com espaço para dois. E me convidou para o seu lado direito, e ali ler aquela página, explicando que infelizmente não mais enxergava como antes. Cagnin sorria, de seu jeito característico e seu inesquecível olhar de menino travesso, mantido aos setenta e poucos...


Mal balbuciei gaguejante algumas palavras escritas pelo Rosa, sendo prontamente socorrido pela filha de “Seu José”, que interpretou gloriosamente aquela notável escrita. Não lembro, mas com certeza dormi muito mais feliz naquela noite. 

quarta-feira, 10 de maio de 2017



Hoje posto uma série de imagens de diferentes períodos. O que acham desse almanaque pessoal?


Tenho um (vários, na verdade, projeto com o Gonçalo Junior, sobre um menino que sofre bullying por usar óculo. A gente sempre espera o sinal verde de algum editor para seguir em frente. 


O tema Bullying é abordado nesta edição da revista Psicologia & Vida que está nas bancas, desde meados do mês de Abril. Este foi o último trabalho que realizei em parceria com Toninho Mendes. Um mês antes de seu falecimentos, em janeiro. Ele foi o diretor de arte e diagramador da revista. Nós dois também cumprimos, nesse exemplar, nossas funções de jornalistas, pesquisando, consultando profissionais do ramo psiquiátrico e escrevendo os artigos.



Quando Harry Potter estava em alta, também resolvi entrar na onda e escrever e desenhar as aventuras de um aprendiz de feiticeiro moderninho. Se Harry Potter era uma cópia de Os Livros da Magia, dos quadrinhos da Vertigo, porque eu não poderia me divertir como esse meu esse meu Barry Poppins? Contei com a parceria do sempre magistral Wanderley Felipe na arte final e nas cores.



Mais uma parceria minha com Wanderley Felipe. esse desenho, eu fiz a lápis, para um projeto bacana com cachorros para minha amiga protetora dos animais. A super vegan Cida Cândido. Mega assessora de imprensa. Competente como só.


Também com Wanderley nas cores, realizei esta ilustra, junto de outras 14 para a edição especial do Memorial da América Latina que mostra todo o complexo cultural paulistano, para as prefeituras do interior do Estado. A impressão desta publicação ficou linda.



Pode crer, fiquei muito feliz em poder realizar esta ilustra com um dos meus ídolos do cinema: Mr. Clint Eastwood. Que uma vez jurou que ia se aposentar do ramo...

Essa vinheta charmosa, que muito gosto, foi feita as pressas para um livro de Culinária Italiana, que produzi e escrevi para a Editora Minuano. No dia do fechamento, algumas das imagens, que deveriam ter sido entregues por um colega ilustrador especializado, desses que deixam a gente na mão, não chegaram. Então eu tive que fazer as 22 artes em poucas horas. Para minha sorte, Wanderley Felipe podia colorizar. O resultado, para meu próprio deleite, é que ficaram lindas. Todas desenhadas com caneta Bic de tinta preta. E, ainda, me renderam o convite para desenhar ao vivo uma disputa de masters chefs em um evento da rede de hotéis Accor.




Momento histórico: visita a Paulo Paiva, o genial cartunista criador do Maciota e criador dos roteiros do Zé Carioca e de centenas de tiras da Turma da Mônica, que sofreu um AVC faz seis anos. Só ele mesmo, com seu humor, ainda fulminante, pra reunir, 25 anos depois, a mim, Henrique Farias (Menino Maluquinho, Disneys...) e Seabra (Capitão Caatinga, Grafipar, Zorro..).


Projeto escrito por Gonçalo Junior, que desenhei e Wanderley Felipe colorizou para uma revista institucional.




Capa básica de uma das edições da coleção de revistas institucionais em quadrinhos da ONG CEADS, de 2014, protagonizadas por Luizinho (meu primo Dr. Luiz Jorge Fagundes) e Chiquinho (meu alter ego perguntador).




Mestre Walmir Amaral, sempre que nos honra com sua visita, aqui em São paulo, trás na bagagem uma ilustra exclusiva. Essa aqui até que já foi muito divulgada pela internet. mas não faz parte de seu magnífico Sketh Book Custom, da Criativo editora.





HQ criada para a edição da revista Psicologia & Vida dedicada ao Divórcio.



Ilustra para livro de história da editora Ática. Arte final feita com caneta Rotring 0.3.







Essa importante imagem do acervo fotográfico de Gustavo Machado registra uma de nossas costumeiras tardes comemorativas na "Vila dos Desenhistas", como apelidaram aquela ponta de quarteirão em Três Marias, bairro de Curitiba, onde morávamos, em casas lado a lado: a partir da esquerda, na foto, Gustavo, eu, Claudio Seto, que está sendo levantado, nosso diretor editorial, que não residia na Vila, Watson Portela e Itamar Gonçalves. Trabalhávamos lá, para a Editora Grafipar,


Na Grafipar realizávamos quadrinhos eróticos, como este, que desenhei, para a revista Volúpia. Isso em 1981. Com certeza hoje as novelas que passa a tarde na TV são muito mais eróticas que os gibis que fazíamos então.


Em salto na história, temos aqui minha versão Chapeuzinho vermelho e Lobo Legal, para as revistinhas e colorir da Editora escala, de 2013. Muito bons tempos aqueles que se desenhava 12 edições por mês.




Em uma bela tarde em um evento no Sesc Pompeia, em 1984, ao papear com o mestre do terror Rodolfo Zarra, eis que chegou o mestre dos mestres do gênero, José Mojica, o Zé do Caixão. Formidável narrador de histórias tenebrosas e curiosas.

sexta-feira, 5 de maio de 2017




Tudo começou com o super herói de azul

Foi em 1938 que nas páginas do gibi Action Comics 1 apareceu pela primeira vez em uma

bancas de jornal e revistas, nos EUA, um super-herói, na aventura Superman: Champion of

the Oppressed, criado pelos adolescentes Jerry Siegel (escritor) e Joe Shuster (desenhista).

A tal revista em quadrinhos custava apenas 10 centavos, tinha 64 páginas e arrebentou de

vender por apresentar a estreia do protótipo do super-herói fantasiado. Em sua origem, era

um ser enviado de outro mundo, para o nosso, onde aqui tinha que lutar pela verdade e

justiça. Junto dele estava uma destemida repórter de jornal, que imediatamente, com ele, formou par,

Lois Lane.

Siegel, quando Superman completou 75 anos de existência, revelou à imprensa que ele e seu parceiro

Shuster, para fazer a figura de Clark Kent, a identidade secreta de Superman, se inspiraram na

imagem do ator de filmes mudos Harold Lloyd, que usava óculos redondos, retratando homens

aparentemente fracos que viravam o jogo contra seus inimigos.

Enquanto que para construir o físico do super-herói pioneiro, copiaram as poses e presença

épica do astro do cinema, também sem falas, Douglas Fairbanks, que interpretou heróis de aventura

em fitas como Robin Hood e A Marca do Zorro.

O modelo para Lois Lane, foi Joanne Carter, amiga e modelo do desenhista, ainda adolescente

que mais tarde se casou com o artista, se tornando a senhora Jerry Siegel.

A partir desta fórmula milionária composta pelo tripé Superman/Clarck Kent/Lois Lane todo

um universo e um gênero foi construído. Enriquecido com as estreias em 1939 de Bataman, Tocha

Humana e Príncipe.

O que viria a seguir constituiu uma imensa história...história de vida de muitos gênios da escrita e da

arte. E, também de gênios do empreendimento editorial, que lucraram muito com os gibis.

(Franco de Rosa) 
A moça, o cigarro e o clássico do rock 

Eu pego a Folha de São Paulo do alto da pilha, em uma banca de jornal, que fica de frente de

onde moro. Confiro a data no cabeçalho: São Paulo, 24 de julho de 2011. É domingo e a rua

está bem vazia. O frio me empurra para dentro da banca. Dou uma passada de olhos nas capas

das revistas ao redor, enquanto procuro intuitivamente o dinheiro no bolso.

Uma mulher esguia chega na banca. Pede cigarro avulso. O jornaleiro oferece Marlboro e

Hollywood. Ela prefere Hollywood. E pede fogo, emprestado.

Um display de livros impede minha visão. Não vejo seu rosto. Tem voz rouca. Bastante áspera

e maltratada. Mas assim que o jornaleiro oferece o isqueiro para ela. Vejo que é bastante

pálida e tem os cabelos bem pretos. São belos e muito compridos. Ela está dentro de um

conjunto safari caqui, vestindo ainda uma jaqueta peluda de forro também felpudo. Ela está

tirintando de frio.

Ocorre então uma sequência cinematográfica. Meu foco está em seu rosto magro, de lábios

arroxeados. Ela, com os olhos fechados, sorve, em uma longa tragada. Em seguida, vira a

cabeça, e olhando o infinito, solta a fumaça que se dissipa no ar, acompanhada dos fios de

seus vastos cabelos finos que esvoaçam ao vento.

-- Que bosta! Diz ela, bem alto, com sua voz muito rouca. Como isso é bom...como isso é bom.

Não consigo parar...

Parar de fumar, se entende, sem que ela precise completar a frase.

Ela dá uma nova tragada e indaga, ao jornaleiro.

-- Que som é esse?

Um rádio está ligado tocando um clássico do Pink Floyd. Quando a moça chegou, se iniciou um

solo de guitarra, acompanhado por uma doce e forte voz de uma cantora de lírica.

O jornaleiro responde:

-- É um rock antigo.

Ela, de novo, ainda em cena de cinema, assopra sua fumaça, que flutua com suavidade, junto

com sua fina juba. Enquanto caminha contra o vento acenando um tchauzinho com a mão.

Meu amigo Paulo, o jornaleiro dono da banca, pegando o dinheiro da minha mão proclama:

-- Eu nunca fumei. Esse vício mata lentamente. E leva a outros vícios.

Ao sair da banca, leio a manchete da Folha, em minhas mãos:

“Amy Whinehouse, 27”. Cantora é encontrada morta em seu apartamento em Londres.

(Franco de Rosa)

Crônica - 

O bêbado e o quadrinhista

Foi em 1990. Eu tinha um estúdio na Praça Júlio de Mesquita, perto do Mappin São João, grande magazine que não existe mais faz décadas.

Era uma manhã muito fria. Eu estava acompanhado do talentoso paraense Bené Nascimento, hoje famoso, por desenhar super-heróis, assinando Joe Bennett. À época ele contava com 22 anos. Parecia um índio gigante, com seus quase dois metros de altura. Era fisiculturista. Eu, franzino, com quase 1,70 m, se usar salto carrapeta. Estranhando o fato dele ficar assustado com o povo sinistro de nossa Pauliceia. Bené tentava morar com a mãe, no bairro do Tatuapé. Ela se separara do pai dele fazia poucos anos.

Daí fomos atravessando a avenida São João.  Ele desconfiado, olhando para os lados, com um tampinha falante do lado. Entramos num bar perto da Praça da República, na rua lateral, a rua dos Andradas, junto ao Edifício Andraus. Eu contava pra ele que aquele edifício era o que pegou fogo, nos anos 70, em um incêndio histórico, e eu estava dentro do prédio, no tal dia fatal, e não sabia que o prédio estava em chamas - mas essa é outra história. 

Quando estávamos entrando na lanchonete, demos de cara com um mendigo, que arregalou os olhos, ao me ver e saiu correndo em seguida. Eu o reconheci no ato. E ele a mim também. Era o Orlando. Um antigo desenhista de animação e ilustrador dos bons. Trabalhamos juntos em uma agência de publicidade, dez anos antes dessa topada. Ele trabalhara muito antes, na conceituada Linx Film, empresa que realizou desenhos animados pioneiros para propaganda, na década de 1960, de onde saíram nomes como Ruy Perotti, Ely Barbosa, Walbercy Camargo e Daniel Messias.

Meu tio Silas do Amaral, sobrinho neto da Tarcíla, do Modernismo, trabalhou lá, como aprendiz, junto de outro amigo meu, Davilson Rodrigues, a pessoa que me apresentou a esse artista que saiu correndo, o Orlando.

Lembro que eu fiquei paralisado. Bené, depois, repetiu algumas vezes, que eu fiquei branco. Pálido como um vampiro. Lívido mesmo. Espantado. E o Orlando assustadíssimo. Pasmo. Mas eu saíra na direção em que o Orlando havia rumado. Não o encontrei, nunca mais o vi. E, naquela época, trabalhando nas Folhas eu circulava bastante por ali.

Bené ficou muito chocado ao saber que o Orlando havia sido um desenhista talentoso. E, aquele triste momento histórico o influenciou em sua decisão de retornar para sua Ananindeua. Cidade vizinha a Belém, no Pará. Onde reside até hoje. Então, indo se dedicar ao desenho de propaganda, arquitetura.e quadrinhos, só como passatempo, quando possível.

Porém, o destino o fez trilhar os caminhos de seus anseios infanto-juvenis, os gibis, porque dois anos depois, quando a Arte & Comics me pediu amostras de artistas brasileiros para mostrar a um agente americano, ele foi minha recomendação primeira. Depois, o paraibano Deodato Filho, que desenhava fanzines na época. Mais José Pimentel, um artista pernambucano que estreara na Grafipar. E, ainda, um rapaz do Rio Grande do Sul, Henrique Kipper, que trabalhava ao meu lado no jornal Folha da Tarde. Sendo que Bennett foi o que mais se destacou na pequena editora Now Comics. 

Ao sair da lanchonete, onde mal conseguimos engolir um café queima goela, devido aquele desolador encontro com o Orlando, comentei com Bené que ele havia sido casado com uma mulher lindíssima, mas que ela ficou doente e foi definhando, até falecer, de Leucemia, se não me engano. Com a inevitável morte da amada, meu antigo parceiro, que ficava na prancheta, se entregou a cachaça. O que, provavelmente o fez ir morar na rua. 

Ainda hoje, quando relembro aquele triste instante, me vem a memória o angustiado olhar do Orlando. As muitas rugas avermelhadas contornando seus verdes olhos, lacrimejantes e saltados. Seu aspecto pálido e profundamente desesperançados. 

Para mim ficou uma experiência forte. Que me leva a auxiliar e conversar com moradores de rua. Mesmo os malucos. Oferecendo comida ou roupas. Mas, o que eles sempre pedem, com muita veemência mesmo é a tal caninha, para aplacar as suas inquietudes de alma.


( - Franco de Rosa – 5 – 5 – 2017 -) 
Bico de pena usando caneta Rotring 0.4

Jack, o estripador 

Capa do gibi Mundo do Terro, da Maciota Press Editorial - 1987 

Lápis em alto contraste e retícula manual