Capitão Caatinga – o anti-herói do nordeste em SP
por Ataíde Braz (*)
Quem se lembra do Capitão Caatinga, personagem criado pelo Franco de Rosa e Seabra?
É certo que poucos se lembram, e muitos nem ouviram falar. No entanto é um marco da História dos Quadrinhos brasileiros. Foi publicado de 1974 a 1978 no jornal Noticias Populares. Talvez esta seja a causa do injusto esquecimento (ou desconhecimento), o enraizado preconceito contra aquilo que é popular, independente de seus méritos.
Na época em que foram publicadas as suas aventuras, as poucas tiras nacionais (e as muitas importadas) eram todas de humor. O Capitão Caatinga ousou ser diferente. Um herói sem poderes, sem colante e cueca por cima da calça.
Era um anti-herói quando eram abundantes os “mocinhos” acima do bem e do mal, sempre a salvar suas eternas noivas. O capitão era diferente. Enrolava-se com mulheres casadas e fugia de cornos. Não fugia por medo. Não. Fugia por que julgava justa a raiva do corno. Assim era o Capitão Caatinga, imoral, porém ético. Até certo ponto. Sua ética não resistia a um rabo de saia. Bom, quando a mulher era feia, a ética do capitão era férrea e incorruptível. Nestes casos mulher casada tinha que ser respeitada.
Ele não percorria o nordeste salvando oprimidos. Ele simplesmente ia vivendo e fugindo da policia. Lutando a sua guerra pessoal para sobreviver. De preferência ele fugia de conflitos, de brigas que não lhe dizia respeito, mas, se fosse pego em um fogo cruzado (e isso sempre acontecia), ele tomava partido do justo. E não fugia da raia!
Mas a maior vitória deste herói foi vencer o cerco dos importados e ter mais de 1000 tiras publicadas, com uma temática genuinamente nacional. É claro que havia muitos pontos fracos. Os autores tinham poucas informações sobre o nordeste, mesmo assim enveredaram pelo tema e criaram um ícone que, infelizmente, é pouco lembrado.
Capitão Caatinga é um marco por que ousou ser homem quando o preconizado era ser um semideus com super-poderes e uma mentalidade tacanha. Um homem, com seus defeitos e virtudes. Mas defeitos do que virtudes.
Uma HQ com diversas falhas, principalmente por causa da pouca experiência de seus autores na época. Mas ambos com uma intuição talentosa! Apesar das falhas, a trajetória vitoriosa do Capitão foi graças à união do velho com o novo. O Franco e o Seabra ousaram criar um personagens que fugia do padrão da época, mas dosaram essas novidades com alicerces conservadores, usando na narrativa os típicos “dogmas” das histórias de aventuras.
Esse é o ponto que admiro na HQ do Capitão e em minha opinião faz dele um marco da HQB. Se na época as HQ de terror tivessem utilizado essa formula ao tentar se modernizar, talvez tivessem evitado a decadência do tema. Fico na torcida para que o Capitão Caatinga seja revisto e atualizado por seus autores, para desbravar novamente os quartos das mulheres casadas e enfrentar volantes e cangaceiros...
(*) Ataide Bras é roteirista que, nascido em Pernambucano, migrou para são Paulo com a família aos 11 anos, em 1966. É autor da graphic novel “A Mulher Diabo no Rastro de Lampião”, que ganhou o prêmio 7º HQ Mix em 1995. O público de retirantes nordestinos migrantes e hoje radicados em São Paulo é um dos públicos-alvos fundamentais da presente proposta.
Eu li muito as aventuras de João Caatinga no Notícias populares nos anos 70. Conheci Franco de Rosa na ESA - Escola Studio de Arte de João Costa em Santo André.
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