sexta-feira, 5 de maio de 2017

A moça, o cigarro e o clássico do rock 

Eu pego a Folha de São Paulo do alto da pilha, em uma banca de jornal, que fica de frente de

onde moro. Confiro a data no cabeçalho: São Paulo, 24 de julho de 2011. É domingo e a rua

está bem vazia. O frio me empurra para dentro da banca. Dou uma passada de olhos nas capas

das revistas ao redor, enquanto procuro intuitivamente o dinheiro no bolso.

Uma mulher esguia chega na banca. Pede cigarro avulso. O jornaleiro oferece Marlboro e

Hollywood. Ela prefere Hollywood. E pede fogo, emprestado.

Um display de livros impede minha visão. Não vejo seu rosto. Tem voz rouca. Bastante áspera

e maltratada. Mas assim que o jornaleiro oferece o isqueiro para ela. Vejo que é bastante

pálida e tem os cabelos bem pretos. São belos e muito compridos. Ela está dentro de um

conjunto safari caqui, vestindo ainda uma jaqueta peluda de forro também felpudo. Ela está

tirintando de frio.

Ocorre então uma sequência cinematográfica. Meu foco está em seu rosto magro, de lábios

arroxeados. Ela, com os olhos fechados, sorve, em uma longa tragada. Em seguida, vira a

cabeça, e olhando o infinito, solta a fumaça que se dissipa no ar, acompanhada dos fios de

seus vastos cabelos finos que esvoaçam ao vento.

-- Que bosta! Diz ela, bem alto, com sua voz muito rouca. Como isso é bom...como isso é bom.

Não consigo parar...

Parar de fumar, se entende, sem que ela precise completar a frase.

Ela dá uma nova tragada e indaga, ao jornaleiro.

-- Que som é esse?

Um rádio está ligado tocando um clássico do Pink Floyd. Quando a moça chegou, se iniciou um

solo de guitarra, acompanhado por uma doce e forte voz de uma cantora de lírica.

O jornaleiro responde:

-- É um rock antigo.

Ela, de novo, ainda em cena de cinema, assopra sua fumaça, que flutua com suavidade, junto

com sua fina juba. Enquanto caminha contra o vento acenando um tchauzinho com a mão.

Meu amigo Paulo, o jornaleiro dono da banca, pegando o dinheiro da minha mão proclama:

-- Eu nunca fumei. Esse vício mata lentamente. E leva a outros vícios.

Ao sair da banca, leio a manchete da Folha, em minhas mãos:

“Amy Whinehouse, 27”. Cantora é encontrada morta em seu apartamento em Londres.

(Franco de Rosa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário